Despersonalização de pessoa jurídica ou desconsideração da personalidade jurídica é um instituto importante no Direito. As pessoas que criam uma sociedade não respondem pelas obrigações desta, geralmente. Isso ocorre, porque essa pessoa jurídica possui personalidade distinta da de seus fundadores. Em outras palavras, há uma separação patrimonial.
No entanto, há caso em que é possível estender as obrigações assumidas pela pessoa jurídica aos particulares. É sobre essa possibilidade que falamos no post de hoje. Confira!
Uma empresa possui direitos e obrigações próprias, autônomas. Funciona exatamente como nós, pessoas físicas, em nossas relações. Mas imagine que, por um descuido dos sócios dessa empresa, ocorre uma confusão patrimonial. Ou seja, as finanças da pessoa jurídica se confundem com as de seus administradores. Para piorar, existe uma grande dívida da empresa com terceiros.
Em situações como essa, nossa lei encontra uma solução. É a despersonalização de pessoa jurídica. Nela, sócios e administradores da sociedade podem responder com seus bens particulares pelas responsabilidades patrimoniais da empresa. Ainda que a dívida seja da empresa, excepcionalmente pode recair sobre o patrimônio dos sócios.
Pode-se dizer que a desconsideração da personalidade jurídica é importante para:
Fortalecimento da segurança do mercado;
Combate à fraude.
Isso porque confere garantias adicionais aos credores, atuando diretamente junto ao devedor, modificando ou ampliando sua responsabilidade patrimonial.
Até há pouco tempo, esse instituto de desconsideração da personalidade jurídica estava previsto somente no artigo 50 do Código Civil. Mas, em 2015, veio o novo Código de Processo Civil. Ele trouxe uma regulamentação sobre o procedimento adequado para o requerimento da despersonalização.
Basta que os requisitos materiais previstos no Código Civil estejam devidamente comprovados para que se tenha uma decisão judicial neste sentido.
De acordo com o Código Civil, em seu artigo 50, “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”
Em outras palavras, a despersonalização de pessoa jurídica depende de:
Confusão patrimonial: quando ocorre confusão entre o patrimônio da pessoa jurídica e o de seus sócios;
Desvio de finalidade: toda pessoa jurídica tem uma finalidade para a qual foi criada. Quando ela é utilizada de forma diferente, ocorre o desvio de finalidade.
O tema já foi discutido por diversas vezes pelos tribunais superiores. De acordo com o STJ, a inexistência ou a não localização de bens da pessoa jurídica não caracteriza, por si só, nenhum requisito previsto no Código Civil. Da mesma forma, a constatação da insolvência não é suficiente.
Ou seja, é imprescindível a demonstração específica de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Somente com isso é possível instaurar o incidente processual de despersonalização de pessoa jurídica.
Até o advento do novo CPC, não havia regulamentação do procedimento para declaração da desconsideração da personalidade jurídica. Antes de 2015, bastava uma decisão fundamentada nos autos de um processo para que ocorresse a despersonalização de pessoa jurídica.
Atualmente, o novo Código criou um incidente para a desconsideração de personalidade jurídica. E foi além para fixar processualmente a desconsideração inversa. Ou seja, a pessoa jurídica responde por obrigações que não lhe são originárias, mas sim de seus sócios ou administradores. Seu patrimônio servirá para cumprir a obrigação do sócio devedor.
A primeira ideia do CPC foi evitar decisões de desconsideração da personalidade jurídica sem que o sócio fosse ouvido. Esse dispositivo já existe, de forma geral, no CPC. É a determinação do artigo 9º, que determina que “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida”.
Em outras palavras, é a efetivação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Assim dispõe o artigo 135: “instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias”.
Outro ponto importante são as partes legítimas para requerer o incidente. São elas: partes envolvidas no processo e o Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. O incidente de despersonalização de pessoa jurídica não pode ser instaurado de ofício pelo juiz, salvo em processo trabalhista.
Por fim, o pedido deve observar os pressupostos previstos em lei durante todo o processo.
O incidente de despersonalização de pessoa jurídica também se aplica ao âmbito trabalhista. A Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) acrescentou à CLT um dispositivo que traz expressamente essa possibilidade. É uma mera formalidade, pois a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é aplicada há muitos anos no Direito do Trabalho.
A única questão que suscitava dúvida nessa aplicação era uma prática processual. Seria necessária prévia citação dos sócios para redirecionar a execução contra o seu patrimônio pessoal? Para os estudiosos, as regras procedimentos do novo CPC não são compatíveis com a celeridade do processo do trabalho.
No entanto, é direito do sócio ver direcionada a execução contra si por meio da instauração do incidente. Para tentar equacionar a situação, entende-se que, mesmo antes da citação do sócio, o juízo pode deferir tutelas de urgência de natureza cautelar. Assim, caso haja decisão no sentido de desconsiderar a personalidade jurídica, garante a existência de bens a fim de satisfazer o crédito.
Na dúvida, vale o disposto no CPC, referendado pela reforma trabalhista.
A consequência principal da despersonalização de pessoa jurídica é atingir o patrimônio dos sócios. Ainda que a dívida seja da empresa, eles serão responsáveis por satisfazê-la com seus recursos particulares.
No CPC, há ainda uma outra consequência. Se o juiz acolher o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz com relação ao requerente.
A despersonalização de pessoa jurídica é um instituto que dá segurança ao mercado. De um lado, o empresário deve se preocupar com o compliance para permanecer sempre dentro da lei. De outro, o credor realiza negócios com mais tranquilidade. E não só o credor. A desconsideração da personalidade jurídica se aplica às relações trabalhistas, como frisou a reforma.
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